segunda-feira, 20 de outubro de 2008

“O Meu nome é Iku (ir), mas você me chama de Sumi”

Aka Ana (Vermelho Buraco)
A obra de um dos mais provocadores e controversos fotógrafos franceses: Antoine D’Agata. O argumento de Aka Ana foi escrito e inspirado no célebre filme de Nagisa Oshima O Império dos Sentidos (1976), Aka Ana foi rodado durante uma estadia do fotógrafo em Kujoyama, Japão, entre Setembro e Dezembro de 2006, onde um grupo de prostitutas se mostra em devaneio e transgressão.
As imagens foram obtidas com recurso a infra-vermelhos que captam as práticas sexuais em pormenor, e a estas é sobreposta uma voz off feminina onde se refere de modo mais ou menos metafórico. Há que reconhecer o moralismo: mais no texto que nas imagens. As imagens são belas, estranhamente belas, convulsivamente belas, camadas de um pesadelo de que nos queremos libertar, mas que ao mesmo tempo nos atrai. Havia uma vertigem no trabalho de Antoine d'Agata fotógrafo a que este filme, Aka Ana, empresta movimento.
Primeiramente, o que D'Agata filma e fotografa é grande demais, afecta-o demais para que fique de fora. Imaginá-lo de fora, parece impossível, hipócrita até. Pois é este o sentimento que temos com estas imagens de D'Agata: o que ele filma é excessivamente o mundo dele para que ele se coloque de fora ou distante. A experiência do fotógrafo passa pelo próprio desejo naqueles corpos, um desejo sexual e afectivo. "Não é o olhar que um fotógrafo tem sobre o mundo que me interessa, mas a sua relação, a mais íntima, com ele", diz D'Agata. Claro, mas essa relação está nas imagens, não como um documento desta relação íntima com o mundo, mas como materialidade mesmo: nos sons, nos sussurros, na proximidade pornográfica, nos rostos de prazer e dor. Um procedimento que forma uma imagem esteticamente afectada pela experiência. Um procedimento que distancia o filme do realismo descritivo na imagem e no texto, por um lado, e por outro, da estética que busca a "imagem perfeita", única, ideal e insubstituível. Uma ‘imagem-experiência’ é uma imagem de passagem, entre indivíduos e entre saberes. “O Meu nome é Iku (ir), mas você me chama, Sumi”, diz uma das mulheres.


No processo de D'Agata há uma perturbadora presença de potência e impotência. Uma potência em fazer as imagens, em procurar os corpos no escuro e suas velocidades eróticas, mas há uma impotência. Um deixar-se levar, submeter-se ao que filma, ao universo das prostitutas e dos homens que por ali passam. A ‘imagem-experiência’ de D'Agata aparece compartilhando a imagem; entre o cineasta, o turista, a prostituta, a jovem japonesa, o homem, o tesão, o tesão, a pornografia, o sexo, a ternura e a presença de uma câmara. « Não me apague, não me largue », diz uma das prostitutasFoucault disse em diversas ocasiões que se tivesse que escrever um livro sobre o que ele já sabe, ele não teria forças ou coragem de fazê-lo. Uma ‘imagem-experiência’, como estas de D'Agata, partem desse pressuposto, com uma variável importante: no final do filme, o que temos continua separado de um saber sobre o que foi filmado, sobre as prostitutas e sobre Antoine. É o deslocamento em relação a um saber estável que garante a verdade dessas imagens. “O Meu nome é Iku, mas você me chama, Saki”.
Aka Ana, Antoine D`Agata (60', França, 2008)
17 Outubro, 22h30, Cinema Londres (sala1)
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